Couchsurfing, pra’queles que nunca ouviram falar, é uma rede social para viajantes. A ideia central é que você possa se informar sobre destinos em pequenos fórums, separados por Países, regiões e cidades, mas também possa procurar informações sobre pessoas que estejam dispostas a te hospedar, da mesma forma que você pode acompanhar os viajantes próximos de você para oferecer hospedagem.
Por indicação de um amigo, fiz meu perfil só para participar da rede social, muito antes mesmo de fazer minha primeira viagem. Utilizei a rede social para viajar quando embarquei para o outro lado do oceano, em 2011, esperando ser hospedado por pessoas totalmente desconhecidas, sem a certeza de que realmente aquilo ali funcionaria e se eles tinham me entendido bem. Foi a melhor primeira experiência que eu poderia ter com o Couchsurfing.
O legal dessa plataforma é que, dependendo da tua experiência, cria-se verdadeiros laços de amizades. Procuro, de tempos em tempos, mandar uma mensagem para todas as pessoas que já me hospedaram ou que já conheci através dela. É uma deliciosa forma para, de certa forma, reviver as lembranças e manter essas pessoas tão especiais sempre por perto.
Um dia que se transformaram em cinco
No post anterior, “A aventura Chilena. Parte 1: uma viagem diferente de todas“, eu colei lá uma foto da mensagem que havia enviado ao meu possível host, o Sérgio. Ele me respondeu aquela mensagem dizendo que teria disponibilidade de me hospedar durante uma única noite pois receberia um outro amigo dele nos próximos dias.
Por mim, não tem problema. Já vou procurando outros hosts e, se não encontrar, eu posso ficar em hostel ou em algum camping perto da cidade.
Meu plano era de ficar na cidade por dois dias, com disposição para mais, caso encontrasse coisas bacanas para se fazer. Tinha comprado um CD do Sepultura pra dar de presente pela gentileza de me hospedar. Como bom hóspede, pesquisei um pouco no perfil dele para ver seu gostos antes de fazer a compra, obviamente. Sempre gostei de fazer pequenos agrados para as pessoas, principalmente àquelas desconhecidas que me ofereciam ajuda. O fato é que eu e o Sérgio (e sua família) nos demos bastante bem desde o começo, motivo que fez com que aquela única noite se transformasse em cinco, mesmo que nos “apertando” no apartamento.
Caminhando e descobrindo Santiago do Chile
No primeiro dia, pouco tempo depois da minha chegada, saí vagando pela cidade sozinho. Antes de sair para seu trabalho, o Sérgio me deu algumas dicas de localização e transporte. Mesmo cansado, eu não queria perder tempo porque talvez minha passagem pela cidade seria rápida. Sem qualquer tipo de roteiro definido – somente alguns pontos circulados no mapa do Lonely Planet – escolhi um lado e fui.
Embora andar de metrô seja barato e com a vantagem de poder, com um único bilhete, fazer conexões com outras linhas e ônibus, preferi andar. Santiago é uma cidade que apesar de ser grande e movimentada, é muito gostosa de se caminhar. Bastante arborizada e com muitos parques, o que atrai pequenos feirantes de artesanatos, de usados e coleção, é difícil não perder um tempinho para observar o ar pacato desses lugares. As pessoas são muito amigáveis e assim que elas percebem que tu és estrangeiro, elas já procuram saber mais a teu respeito. Eu adoro isso.
Quando eu morei em Portugal, aproveitei uma super-promoção de passagens da Ryanair para a Inglaterra e fui passar o ano novo lá. Passeando pelas ruas de Bristol, perguntei para um jovem onde ficava o centro de informações turísticas. Ele olhou pra mim, olhou pra minha mochila, e disse com um sorriso meio debochado: “pra que você vai pedir informações? Marque um ponto de referência e perca-se nas ruas da nossa cidade”. Desde então prefiro andar pelas cidades, mesmo que às vezes as distâncias sejam um pouco mais longas, mas o que importa é a beleza do caminho, as pessoas, a vida cotidiana. É você se colocar à mercê de pessoas desconhecidas para te ajudarem a chegar até lá.
Tudo que eu esperava era aproveitar aqueles gestos perdidos para locais desconhecidos, os olhos e ouvidos atentos para entender um idioma que, por mais parecido com o nosso que seja, se mostrava bastante difícil.
La Chascona, a última casa de Neruda
Foi me perdendo entre as indicações que finalmente cheguei a um dos destinos: uma das casas do Pablo Neruda. É impossível visitar o Chile sem escutar falar no Nobel da Literatura. Eu procurei ler um pouco de uma de suas obras antes de partir, mas com a correria do final de ano não consegui entrar nas suas histórias profundamente.
Acho que gostei mesmo por suas poesias e histórias de amor. No livro “Confieso que he vivido”, fica bem claro que deixava-se levar por suas aventuras amorosas intensas entre os episódios da sua luta político-social.
A casa foi batizada por ele mesmo com o nome de “La Chascona” em homenagem à sua terceira esposa, Matilde. Pouco depois eu li que em Quechua (língua indígena dos Andes), “La Chascona” signifca “A descabelada” e pensei… “que baita homenagem, né?”. Um senhorzinho estava passeando, me viu batendo fotos e disse que não bastava ver de fora, me aconselhou a entrar porque o interior da casa, por si só, já era uma poesia. Julgava os 6 mil pesos (uns R$ 20, na época) de entrada um preço justo, mas me deixei ali, lendo nas pilastras em frente à casa e sentei.
Pido silencio
Ahora me dejen tranquilo.
Ahora se acostumbren sin mi.
Yo voy a cerrar los ojos.
Y solo quiero cinco cosas,
cinco raices preferidas.
Una es el amor sin fin.
Lo segundo es ver el otoño.
No puedo ser sin que las hojas
vuelen y vuelvan a la tierra.
Lo tercero es el grave invierno,
la lluvia que ame, la caricia
del fuego en el frio silvestre.
En cuarto lugar el verano
redondo como una sandia.
La quinta cosa son tus ojos.
Matilde mia, bienamada,
no quiero dormir, sin tus ojos,
no quiero ser sin que me mires:
yo cambio la primavera
porque tu me sigas mirando.
Amigos, eso es cuanto quiero.
Es casi nada y casi todo.
Ahora si quieren se vayan.
He vivido tanto que un dia
tendran que olvidarme por fuerza,
borrandome de la pizarra:
mi corazon fue interminable.
Pero porque pido silencio
no crean que voy a morirme:
me pasa todo lo contrario:
sucede que voy a vivirme.
Sucede que soy y que sigo.
No sera pues sino que adentro
de mi creceran cereales.
Primero los granos que rompen
la tierra para ver la luz,
pero la madre tierra es oscuro:
y dentro de mi soy oscuro:
soy como un pozo en cuyas aguas
la noche deja sus estrellas
y sigue sola por el campo.
Se trata de que tanto he vivido
que quiero vivir otro tanto.
Nunca me senti tan sonoro,
nunca he tenido tantos besos.
Ahora, como siempre, es temprano.
Vuela la luz con sus abejas.
Dejanme solo con el dia.
Pido permiso para nacer.
Deixei a subida ao Cerro San Cristóbal para a metade da tarde, visto que o sol estava bem forte e a fome começando a bater. Normalmente eu carrego comigo uns lanches nessas andanças, mas estava tão empolgado com tudo que não lembrei de nada. Aliás, pra quem me conhece no dia-a-dia sabe que isso é bem comum comigo. Decidi ir até o mercado central, numa caminhada de mais ou menos uma hora e que passava por alguns lugares legais de se ver.
Como eu estava com a camiseta do Grêmio, muitas pessoas a identificavam e me faziam pequenas brincadeiras relacionadas aos nossos times rivais. Achei engraçado o fato de os Chilenos conhecerem bastante os rivais do meu time do coração. Fiz algumas fotos, zanzei pra cima e pra baixo e achei um restaurante barato para comer uma Paila Marina, um prato típico que todos me diziam para experimentar. É, basicamente, um ensopado de frutos do mar, muito saboroso, que degustei com pão e ají, ao som de um casal que tocava ali dentro para agradar aos clientes e arrecadar uns trocos.
Cerro San Cristóbal: A beleza de Santiago vista de cima
Após o almoço, caminhei em torno ao Mercado Central, me perdi mais um pouco e resolvi ir até o Cerro San Cristóbal. Fui tranquilo, apoveitando o caminho e observando os pequenos bares e restaurantes da vizinhança bohemia. Comprei minha passagem pro funicular já com o coração acelerado. Não por causa do preço, porque os R$ 10,00 estavam de acordo com o que eu esperava, mas por conta do funicular em si. Sim, tenho bastante medo de altura. Não deixo isso me impedir de fazer qualquer coisa – na grande maioria das vezes – mas o medo existe, né? E atrapalha!
Com o mesmo funicular e por alguns pesos a mais, é possível parar em um Zoológico e apreciar algumas das espécies nativas da região. Embora eu goste bastante de animais, prefiro os observar livres, então passei reto. Como o trilho é único (o mesmo que sobe é o mesmo que desce), confesso que me segurei firme quando ambos vagonetes se cruzaram, obviamente numa bifurcação dos trilhos. Na descida, os chilenos brincavam “Choque, choque, choque” quando cruzávamos novamente a bifurcação.
Lá de cima? uma vista panorâmica indescritível de Santiago e um bom tempo para apreciar a beleza da Cordilheira.
Os pequenos bares e cafés ainda servem lanches reforçados e reabastecem aqueles que fazem sobem os quase 300 metros do morro de bicicleta. Normalmente esses lugares também estão cheios de famílias que aproveitam dias ensolarados para pegar o carro e dar uma passeada com os filhos. E foi passeando que fui surpreendido pela belíssima imagem da Virgem Maria (Inmaculada Concepción), com seus imponentes 14 metros e seus braços abençoando, lá de cima, a capital chilena. Os chilenos respeitam muito as figuras religiosas, então sentei ali e fiquei quietinho, escutando aquele nada estranho quando se observa a vida agitada de longe.
Antes de ir embora
… dá uma olhadinha no vídeo que vai mostrar um pouco do dia e dos lugares por onde passei.
Spolier do próximo post: calçados extremamente sujos, mochila nas costas e mais pessoas amigáveis.
Nada como caminhar sem mapa, na descoberta pura e dura de um mundo desconhecido. Isso sim, é viajar,